Feminismo intersecional é uma definição dada pela professora norte-americana Kimberlé Crenshaw. O conceito já existia, mas ela nomeou-o. A definição segundo seu livro é:
A visão de que as mulheres experimentam a opressão em configurações variadas e em diferentes graus de intensidade. Padrões culturais de opressão não só estão interligados, mas também estão unidos e influenciados pelos sistemas intersecionais da sociedade. Exemplos disso incluem: raça, gênero, classe, capacidades físicas/mentais e etnia.
O filme Hidden Figures, ou Estrelas Além do Tempo aqui no Brasil, trata exatamente desse tema. O roteiro (história real) é baseado na vida de três mulheres negras trabalhando na NASA em 1961, quando os EUA ainda lutava com a segregação racial. Elas são peças chave na equipe científica responsável pelo Programa Espacial e o filme mostra a dificuldade em se fazer respeitar e provar seu valor.
Nesse ponto entra o feminismo intersecional: sabemos que a mulher geralmente tem que trabalhar o dobro para ser reconhecida nas áreas supostamente dominadas pelos homens, (como ciências e tecnologia), imagine o dobro dessa dificuldade se essa mulher for negra.
O filme mostra, com muita leveza e sinceridade, essa interação das mulheres negras num ambiente 95% branco e machista. Ficou claro que a mulher branca também pode ser instrumento de opressão sobre a negra, em nenhum momento as colegas brancas se mostraram solidárias com as dificuldades sofridas pelas mulheres negras - e em algumas situações, até contribuíam para tornar a vida delas impossível.
O racismo é abordado do princípio ao fim nesse filme e a mensagem mais poderosa que se lê nas entrelinhas, é que nem sempre, o racismo é notado pelo racista. Como quando a personagem loira de Vivian Michael (kirsten Dunst) se desculpa com uma das meninas, Dorothy Vaughn (Octavia Spencer), e diz que " apesar do que você possa pensar, eu não tenho nada contra vocês", e a resposta de Dorothy vem como um soco na boca do estômago: "Eu sei que provavelmente você acredita nisso".
Cara, se você tem o mínimo de senso crítico, é impossível essa resposta não revirar seu racismo subconsciente e subjetivo, aquele que você enterrou tão fundo que se nega a crer que existe. O racismo é um sentimento tão feio e abjeto que ninguém quer admitir que existe em si. Essa perplexidade fica evidente no rosto de todo departamento quando Katherine Johnson (Taraji P. Henson) explode no meio da repartição e expõe a humilhação sofrida diariamente. Provavelmente aquelas pessoas nunca haviam pensado no assunto até aquele momento. Às vezes, é preciso que as verdades sejam gritadas na nossa cara para que acordemos e nos posicionemos contra a injustiça e a opressão.
O filme é lindo, emocionante e real. Eu não consigo sequer imaginar o que tantas manas negras passaram e continuam passando, a minha realidade, a minha intersecionalidade e minhas lutas são outras. Às vezes as minhas lutas coincidem de ser as mesmas que a delas e é lindo quando acontece, porque é maravilhoso ver um gênero se unindo por um mesmo propósito, mas não ouso dizer que nossa dificuldade é similar. Eu quero fazer um mea culpa e pedir perdão às manas negras por muitas vezes não reconhecer o seu valor, e pior, chamar de vitimismo uma dor que não compreendo. Hoje, meus olhos se abriram, e tudo graças a um filme. Só hoje eu entendi o intersecionalismo. Eu vou me calar sobre os temas que não são meus, mas quero aprender e sobretudo, quero apoiar vocês.